Há quase exatamente um ano – mais precisamente em dois de janeiro passado – iniciei uma série de colunas sobre o Bitcoin. E, à medida que as sucessivas colunas eram publicadas e eu era obrigado a garimpar mais dados para me inteirar do assunto, mais coisas interessantes surgiam, o que ensejava a publicação de mais colunas que por sua vez demandavam mais pesquisas. Por isso a série foi se alongando tanto que, em sua derradeira coluna, escrevi:
“Esta série sobre o sistema Bitcoin deveria ter sido bem mais curta. Porém, quanto mais eu escarafunchava o tema garimpando informações para escrevê-la, mais fatos interessantes, surpreendentes e fascinantes afloravam, o que a encompridou significativamente. E mais: com as coisas no pé em que estão, se eu continuar a escarafunchar, mais detalhes interessantes aparecerão, ela se tornará infindável e eu vou acabar virando um “colunista de bitcoin”. Então, decidi encerrá-la por aqui”.
E dei os trâmites por findos com minha opinião sobre o futuro do sistema Bitcoin. Que, acreditava eu, sobreviveria à crise que então enfrentava.
Quem teve a pachorra de ler a série toda talvez esteja se perguntando a quantas andará, hoje, o sistema Bitcoin.
Mas antes, para aqueles que não tomaram conhecimento do assunto, um breve resumo do que vem a ser o sistema Bitcoin e por que seu futuro suscitava dúvidas.
De forma muito resumida, pode-se dizer que Bitcoin é um engenhosíssimo sistema de pagamento através da Internet. Foi idealizado e implementado usando software livre (“open source”) em 2008 por uma misteriosa figura que dizia se chamar Satoshi Nakamoto, que jamais veio a público e apenas se manifestava através de eventuais mensagens postadas no sítio da Bitcoin Foundation até desaparecer completamente sem que jamais fosse efetivamente comprovada sua existência.
Mas, voltando ao bitcoin: há quem o considere uma “moeda virtual” embora efetivamente não seja uma moeda, já que não tem existência física. Os bitcoins (daqui para a frente adotaremos uma convenção: “Bitcoin”, com inicial maiúscula, se refere ao sistema enquanto “bitcoin”, com inicial minúscula, à “moeda”) não são emitidos por qualquer autoridade monetária. As novas “moedas” entram em circulação através de um engenhosíssimo sistema de “mineração” (“mining”) que usa um software especialmente desenvolvido rodando em computadores poderosíssimos. Desta forma não pode ser controlado por governos. E como o sistema não tem uma autoridade central, na verdade não pode ser controlado seja lá por quem for. O único controle sobre sua cotação é exercido pelo mercado. E como toda transação é obrigatoriamente feita pela Internet, sobre a qual governo algum tem controle, as atitudes dos diversos países sobre o sistema Bitcoin são variadas a controversas (porém nenhuma inteiramente favorável), alguns proibindo que empresas e órgãos oficiais efetuem transações, como a China, outros regulando as ações de seus cidadãos, como os EUA – que não considera o bitcoin como moeda, mas como “propriedade” – e outros ainda, como a União Europeia, advertindo a seus bancos que não efetuem transações com bitcoins enquanto não for estabelecido um regime regulatório.
Bitcoins podem ser usados para comprar mercadorias (na maior parte das vezes em lojas virtuais, mas é cada vez maior o número de estabelecimentos reais que os aceitam), pagar serviços ou efetuar qualquer outro tipo de transação que possa ser feita com uma moeda real. Como não têm existência física, a única forma de armazená-los é usar “carteiras virtuais”, sistemas fortemente criptografados que mantêm o controle de quantos bitcoins seu proprietário possui e que dispõem de mecanismos que permitem transferências entre elas, de forma que os bitcoins possam circular.
Como eu disse o assunto é fascinante e se eu continuar me estendendo na explicação isto acaba virando outra série de colunas sobre o sistema Bitcoin, o que está fora de cogitação. Portanto, sugiro a quem desejar mais informações sobre o funcionamento do sistema que consulte a série original, cuja primeira coluna é, justamente, intitulada “Bitcoin: o que é”.
O sistema Bitcoin tem algumas características únicas. Transações efetuadas através dele são rápidas, baratas e, talvez o mais importante: absolutamente privadas. O que garante o anonimato absoluto de que paga e de quem recebe e faz dele o meio ideal para circulação de dinheiro “sujo” (e, de fato, é usado para este fim, acobertando atividades ilegais) mas também uma forma de fechar negócios perfeitamente legais por parte de respeitáveis corporações que não desejam que certas transações, por mais legais que sejam, venham a público.
Uma das consequências da absoluta falta de controle por parte de qualquer autoridade central é a forte flutuação do valor do bitcoin, que varia literalmente ao sabor do mercado. O que atrai especuladores que, por sua vez, fazem com que a flutuação seja ainda mais acentuada.
Para quem quer usar o sistema apenas para efetuar envio de recursos, a flutuação não faz a menor diferença: como as transações são extremamente rápidas e baratas, nenhuma flutuação é suficientemente rápida para afetar o volume de recursos transferidos. Mas para quem deseja armazenar bitcoins para usá-los como meio de pagamento, a flutuação excessiva é indiscutivelmente um empecilho.
E foi justamente durante um período de violenta flutuação causado por fatores que já veremos resumidamente que a série de colunas que escrevi sobre o Bitcoin foi encerrada.
Ora, sendo uma moeda virtual e valendo uma boa grana, nada há de surpreendente no fato do sistema atrair a cobiça dos “hackers” de todo tipo. É claro que o sistema é seguro, porém não inexpugnável. Além disto, as instituições que transacionam com bitcoins, ou operadoras Bitcoin (um conjunto de sítios que funcionam como um sistema bancário no qual a moeda corrente é o bitcoin) são administradas por pessoas, e pessoas são naturalmente falíveis. E no mês de fevereiro deste ano, duas ocorrências envolvendo a ação de “hackers” e a má administração puseram em risco a própria sobrevivência do sistema.
Para que se possa entender como isto ocorreu, vejamos como a cotação do bitcoin vinha evoluindo até o início deste ano examinando o gráfico da Figura 2 que mostra a cotação do bitcoin em dólares americanos no período de janeiro de 2013 até o final de janeiro de 2014 (gráfico obtido no sítio da CoinDesk, uma das principais operadoras Bitcoin).
Como se percebe, durante quase todo o ano de 2013 a cotação do bitcoin se manteve relativamente estável abaixo dos US$ 200. Até que a partir de setembro daquele ano começou uma alta vertiginosa que a elevou até US$ 1.147 em 04/12/2013. Uma súbita valorização de mais de 500% em três meses.
As razões desta valorização são controversas, mas na verdade não importam para o que nos diz respeito. O que importa é que ao ver um ativo monetário fora de seu controle atingir valorização astronômica, os governos reagiram. A China foi a primeira a impor restrições, seguida pela Rússia. Restrições que provocaram fortíssimas oscilações na cotação, que chegou a atingir um mínimo de US$ 522 em 18/12/2013.
Mas foi então que o Bitcoin chamou a atenção dos especuladores e dos investidores. E passou a se revelar um atraente ativo financeiro. E a cotação voltou a subir, estabilizando-se a partir do início de janeiro deste ano em torno do valor de US$ 850.
Nesta altura dos acontecimentos, já haviam sido emitidos mais de doze milhões de bitcoins (o sistema admite um teto de 21 milhões de unidades que apenas será atingido no ano de 2040; se quiser saber como é feito o controle, leia a coluna “Bitcoin: uma moeda imune à inflação”). O que, na cotação da época, correspondia a mais de dez bilhões de dólares americanos.
Uma quantia suficiente para atrair a atenção de qualquer “hacker” que se preze. E foi então que eles se manifestaram.
Como mencionado acima, há diversos operadores Bitcoin que funcionam como um sistema bancário virtual. E, como esperado, entre eles há os virtuosos e os menos virtuosos.
Entre os menos virtuosos havia o “Sheep Marketplace”, um sítio que funcionava como um centro de transações anônimas cujo principal objetivo, segundo consta, era viabilizar transações ilegais, principalmente de drogas ilícitas.
O sítio funcionou menos de um ano, de março a dezembro de 2013, quando anunciou seu fechamento alegando que um de seus membros (pessoas que mantinham suas carteiras virtuais sob os cuidados do sítio) havia conseguido explorar uma vulnerabilidade do sistema desviando 5.400 bitcoins pertencentes aos demais membros e que o sítio não teria condições de restituir o montante desviado. O que correspondeu ao equivalente a cerca de seis milhões de dólares ao câmbio da época. Uma grana nem um pouco desprezível.
Isto seria um forte golpe no sistema não se tratasse de um sítio destinado essencialmente a transações ilegais, o que fez com que quem perdeu a bufunfa não tivesse muito interesse em espernear por não querer manchar sua reputação se identificando como membro de um operador dedicado a tão tenebrosas transações. Além do que nunca ficou cabalmente demonstrado se o prejuízo foi efetivamente causado pela ação de “hackers” ou se foi pura pilantragem dos administradores do “Sheep Marketplace”. Mas seja como for, o mercado ficou de orelha em pé, pois afinal ao menos levantou-se a possibilidade de o sistema não ser tão inexpugnável quanto se imaginava.
E então veio o desastre do Mt.GOX, um dos maiores e mais respeitáveis operadores Bitcoin. Sediado no Japão, fundado em julho de 2010, no início de 2014 já era responsável pela movimentação de 70% de todas as transações com bitcoins.
Pois bem: para encurtar uma longa história (que pode ser lida em detalhes consultando o verbete Mt.GOX da Wikipedia), no início de fevereiro de 2014 começaram a circular boatos que o operador tinha sido vítima de um ataque de “hacker” e sofrido um vultoso prejuízo. O que veio a ser confirmado em 24 de fevereiro de 2014, quando a página do Mt.GOX na Internet exibiu um aviso que suas operações haviam sido suspensas por tempo indeterminado (veja a Figura 1 da coluna “Bitcoin: o final da série em plena tormenta”, a derradeira da série publicada por mim no início do ano). E dois meses depois, em 14 de abril deste ano, a empresa solicitou falência alegando que foram desviados de suas carteiras um total de aproximadamente 750 mil bitcoins de seus membros e mais cem mil da própria empresa e que ela não tinha condições de arcar com tal prejuízo. Um prejuízo de aproximadamente meio bilhão de dólares americanos.
O resultado, como se pode ver na Figura 3, foi desastroso para o sistema. Em meados de abril de 2014 o bitcoin, cuja cotação, como vimos, havia se estabilizado próximo aos US$ 850 no final de fevereiro, perdera mais da metade de seu valor, sendo cotado a menos de US$ 400 (o ponto mais baixo da curva, ocorrido em 10/04/2014, corresponde a uma cotação de US$ 360). Depois, recuperou-se ligeiramente e durante o mês de maio deste ano estabilizou-se em um patamar próximo aos US$ 450.
E daí em diante? Como estamos hoje?
Até o próximo Melhor do Planeta
Fonte: http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2014/12/lembra-do-bitcoin-como-anda-ele.html
0 comentários:
Postar um comentário