Veja fotos e entenda melhor as ocupações no Centro de São Paulo
O centro de São Paulo ainda esconde muitos mistérios dentro de seus antigos edifícios. Milhares de pessoas circulam todos os dias pelas ruas da região, mas não imaginam o que se passa no lugar que faz parte de seus caminhos diários. Muitos dos prédios são parte da história dessa cidade, ainda vista como o centro econômico do país. São construções por onde, em outras épocas, já passaram desde reis e rainhas até ícones históricos. O que a maioria não sabe é que algumas dessas construções, que antes abrigavam a elite do país, agora estão vazias – por vezes deteriorando em situação de completo abandono.
Dois dos motivos que podem ser apontados para explicar o descaso com edifícios do centro de São Paulo são (1) a mudança de localidade dos centros comerciais e (2) dos estilos de negócio que geram dinheiro na cidade. No segundo caso, como muitos donos de empresas antigas foram à falência por não se atualizarem, ou simplesmente por seus negócios não serem mais lucrativos, os imóveis acabaram abandonados, ocasionando o acúmulo de dívidas e impostos não pagos. Como os proprietários deixaram de reivindicar a posse, os prédios passaram oficialmente para a prefeitura.
Ocupações
O que nem todos se deram conta é que esses prédios têm sido ocupados há algum tempo por famílias sem teto indignados com o abandono de imóveis tão bem localizados, enquanto eram obrigados a morar em barracos afastados do centro – ou mesmo sem ter onde morar. Nestas ocupações são reivindicadas moradias e auxílio para que todos possam desfrutar de melhores condições de vida, já que a maioria dos trabalhadores da cidade vive afastada do trabalho por não ter condição de bancar uma casa próxima ao centro.
Fomos visitar alguns destes edifícios para mostrar como é o dia a dia de quem mora nestas ocupações. Elas se mostraram comunidades bem organizadas, onde todos são responsáveis pelo bem-estar de seus vizinhos, além do cuidado e restauração dos andares para que se tenha um aspecto mais próximo a um lar, e se esqueça da provisoriedade em que vivem.
Edifício Mauá
Chegamos primeiro ao edifício Mauá, de cara não encontramos a entrada, uma pequena porta que por sorte se abriu enquanto um dos moradores saía para rua. Entramos e esperamos para encontrar alguém que pudesse nos mostrar o prédio. Ali, onde antes funcionava o antigo hotel Santos Dumont, agora vivem cerca de 1000 pessoas divididas entre 253 famílias.
No meio da construção encontramos um vão relativamente grande, onde ocorrem festas e reuniões dos moradores do prédio. Tudo lá é muito bem organizado, vários movimentos sociais se formaram entre os ocupantes para que fossem criadas regras de convivência. É um condomínio como qualquer outro, se olharmos apenas para as pessoas. A lavanderia é comunitária, com limite de tempo e dia certo para utilização, os banheiros também são controlados, não se pode gastar muito tempo no banho, já que muitas outras pessoas também precisam utilizar aquele espaço.
Subindo pelas escadas vemos diferenças grandes entre um andar e outro, alguns muito bonitos, com piso reformado, tudo novo! Já outros andares parecem mais largados, com menos preocupação de limpeza e manutenção. Esta diferença, na verdade, é uma questão de tempo, todos os andares têm planos de reforma, porém nem todos os moradores conseguem contribuir para isso. O que acontece é que cada andar conta com um responsável e ele trabalha para melhorar e manter a organização. Dessa forma, alguns andares que já têm moradores mais antigos, que já resolveram outros problemas, conseguiram chegar ao ponto de fazer uma reforma e melhorar a aparência, enquanto os responsáveis mais novos ainda estão resolvendo problemas de encanamento, por exemplo.
No edifício Mauá encontramos até um comércio, onde também haviam maquinas de fliperama rodeadas por crianças com olhos brilhando querendo um tempinho para jogar com a gente. Claro que disputamos algumas partidas com elas, por sinal, as crianças eram presença constante no prédio, como também suas mães que corriam de lá para cá arrumando a casa e cuidando dos pequeninos. Ali víamos uma convivência pacifica, famílias trabalhadoras e condições precárias de moradia, mas tudo funcionava e provavelmente vai continuar funcionando até que o prédio seja desocupado. O que é um risco iminente com a promessa de reforma do prédio para que uma parte das famílias recebam novos apartamentos, pagando por eles, mas com subsídio da prefeitura.
Escadas do prédio
Portaria do Edifício Mauá
Escadas de entrada para o edifício Mauá
Vão central onde ocorrem festas, como a festa junina que acontece todo ano.
Visão das janelas vista do vão central
Comércio localizado no primeiro andar do prédio
Mensagem no banheiro alertando para banho rápido
Corredor reformado em um andar do edifício Mauá
Andar em reforma do edifício
Espaço da moradia do edifício Mauá
Crianças que trazem vida ao edifício
Edifício Prestes Maia
Chegamos ao edifício Prestes Maia já com uma visão mais formada do que era uma ocupação. A mesma pessoa que nos mostrou o edifício Mauá nos levou para a entrada no outro prédio, onde fomos prontamente bem recebidos em uma espécie de portaria que controlava quem entrava e saia do local. Recebemos autorização para fotografar e passear por dentro do condomínio.
No edifício Prestes Maia antigamente funcionava uma fábrica de jeans, por isso lá temos duas torres, a maior onde ficavam as máquinas e onde era feita a produção dos produtos, e a torre menor, em que provavelmente funcionava a parte administrativa da fábrica.
Subimos na torre mais alta primeiro, eram 22 andares de escadas e logo imaginamos a dificuldade para quem mora lá no alto. Visitamos andar por andar e, como no Mauá, cada um era diferente do outro. Alguns muito bem conservados e reformados, outros com pouca luz, piso quebrado e cheiro de mofo. O espaço para moradia era um pouco maior. No Prestes Maia há um vão grande em cada andar – que foi transformado em uma espécie de quintal pelos moradores dos andares - e nos cantos ficam as divisões dos apartamentos. Como ali antes funcionava uma fábrica, vemos um prédio com pé direito alto e muito espaço.
Subimos e descemos todos os 22 andares do prédio, vimos novamente uma organização que não esperávamos, cada andar com seu responsável, todos pareciam se conhecer ali dentro e trabalhar para que vivessem da melhor forma possível, mesmo tendo que conviver com problemas como a divisão do banheiro e lavanderia e as condições precárias gerais de moradia
Partimos para a segunda torre do prédio, caracterizada por um espaço bem mais apertado, tanto para convivência quanto para a moradia. Por mais que os andares fossem bem cuidados, as infiltrações e mofo nas paredes deixava claro que naquela torre a vida era um pouco mais difícil. A única vantagem é que possui menos lances de escada para enfrentar no dia a dia. Apesar dessa condição um pouco mais desfavorável, as pessoas se respeitavam igualmente, todos agradeciam por ter a oportunidade de ter seu espaço ali, já que estavam saindo de condições de vida piores que aquela.
A ocupação dos andares era feita por ordem de chegada, os movimentos sociais que se formaram entre a comunidade coordenavam a entrada e a saída dos prédios, além de cobrar uma taxa para manutenção e limpeza de tudo, uma taxa pequena e de acordo com o que as pessoas pudessem pagar. Vimos ocupações que funcionavam e que, acima de tudo, estavam ali para reivindicar o uso de locais abandonados do centro como moradia e a ajuda para que as pessoas pudessem ter condições mais igualitárias de vida.
Entrada do edifício Prestes Maia
Gato de estimação que fica na entrada do prédio
Entrada principal do Prestes Maia
Vão entre as duas torres do Prestes Maia
Criança brincando no vão entre as duas torres
Caixa na parede que existe em todos os andares
Escadaria do Prestes Maia na Torre Um
Lavanderia comunitária utilizada por todos do andar
Um espaço desocupado na Torre Um
Varal de um dos andares da Torre Um
Vão comunitário da Torre Um onde ficam os apartamento maiores
Corredor da Torre Dois onde ficam as moradias menores
Hotel Othon
Partimos então para a ocupação mais recente do centro de São Paulo, a do prédio onde antes funcionava o Hotel Othon, um local cheio de riqueza, onde antes se hospedavam celebridades e políticos e que foi abandonado com a falência do estabelecimento.
O mais interessante ao visitar este edifício é a oposição entre a riqueza e a pobreza que, de certa forma, coexistem no prédio hoje em dia. Por ser uma ocupação recente, vemos um lugar muito menos organizado. Logo na entrada tentamos encontrar alguém para nos acompanhar pelos 24 andares e acabamos recebendo carta verde e um aviso de cuidado.
Por sorte, ao começarmos a visita, fomos recebidos por Lucas, o responsável do primeiro andar. Ele disse que seria melhor que nos acompanhasse, já que ali ainda viviam muitas pessoas desconhecidas e não havia uma organização tão bem definida quanto nos edifícios anteriores. Guiados por Lucas, subimos pelas escadas, já que os elevadores pararam de funcionar logo após o início da ocupação, segundo o que nos contava. No prédio havia luz, mas a água não estava funcionando em nenhum andar. Os moradores precisavam buscá-la em um poço no subsolo do prédio – carregar galões, baldes e vasilhames para os andares mais altos é uma árdua tarefa.
No Othon, por mais que o espaço fosse amplo, os quartos grandes, bem divididos, e as paredes e portas já prontas; a vida parecia menos harmoniosa. Víamos pelas portas avisos de que aquele apartamento estava ocupado, trancas improvisadas e olhares desconfiados entre as pessoas. O lixo estava por todo o prédio, não havia muita preocupação com a limpeza. Os jovens eram maioria entre os moradores, menos famílias, menos crianças e muito mais adolescentes que esperavam conseguir ali uma oportunidade de vida melhor.
Ainda que possam ser acusados por tirar algum tipo de vantagem das ocupações, é difícil recriminar os moradores do antigo Hotel Othon. Morar lá é um verdadeiro desafio e se alguém se mantém naquelas condições é por que realmente precisa.
Fomos embora entendendo melhor como era a vida de quem luta por uma condição mais digna de vida. São pessoas que trabalham, que vão atrás de uma vida feliz para seus filhos e que querem ajudar não apenas a si próprio, mas a todos que dividem dessa busca. A solução para este problema não é simples, pois é maior do que a ocupação destes prédios abandonados, mas o sentimento que fica ao fim destas visitas, e que tentamos transmitir nas fotos, é a esperança, pois percebemos que existe alguém que está lutando e muitos que estão conseguindo.
Grafite na chaminé do último andar do Hotel Othon
Vista do alto do prédio ocupado do Hotel Othon
Grafite no penúltimo andar do Hotel Othon
Vista da prefeitura de cima do Othon
Porta com trancas improvisadas
Corredor do Hotel
Um dos quartos que parecia estar em Reforma, com ventiladores no chão
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